Poderia ter sido uma cena de filme. O cenário perfeito, os personagens impecáveis. O metrô ia menos cheio que o habitual. Uma das primeiras manhãs de sol da primavera. Ele na casa dos trinta, solteirão - a indicar pelos tênis, óculos escuros e falta de aliança. Ela, vinte e alguns, à procura de qualquer coisa mais que um "one night stand".
Aí vem a acção. Coisa simples. Ela vai sentar num banco vazio bem no momento que o metrô arranca. Desequilibra-se. Quase cai em cima dele.
Se fosse um filme ele teria feito uma observação cômico-sarcástica. Ela teria achado graça. Trocariam olhares. Ela lançaria um último olhar antes de sair da carruagem e ele, sentindo uma brecha, iria atrás dela.
Provavelmente seriam felizes para sempre embalados por uma trilha sonora em tons de pop-rock romântico.
Mas não. Não era um filme. Era uma quinta-feira de manhã, bem real. Ele tinha sono, logo não reparou que ela era bonita. Beleza de pequenos detalhes, feições delicadas e cabelo levemente despenteado. Ela tinha pressa. Murmurou um pedido de desculpas que ele retribuiu com um aceno de cabeça, em jeito de dizer: "não há problema".
A iluminação não era a correcta e a trilha sonora que ouviam era um hip-hop que vinha do MP3 do moço ao lado, cujo volume demasiado alto fazia com que a música saísse dos fones e ocupasse o espaço.
Não houve observação cômico-sarcástica, nem troca de olhares. Ela saiu na estação de todos os dias sem olhar para trás. Ele permaneceu sentado, absorto em planos e pensamentos.
Meses mais tarde, ela conheceu um outro cara e ao fim de ano e meio de namoro resolveram morar juntos. Depois casram e parece que têm filhos e cachorro. Ele continuou solteiro, com uns namoros ocasionais. Não era um filme, mas nada os impediu de serem felizes.