Outro dia eu estava votando de ônibus para casa. Viagem de três horas, vindo do sul de Portugal. Tempo livre, a cabeça voa por lugares semi desconhecidos, encontra lembranças antigas de uma vida que você não lembra que é sua.
Lembrei do sítio de São Lourenço, onde eu passei todas as férias da minha infância. Subia a serra de ônibus com você e tomava coca cola para não enjoar. Aquelas curvas desafiavam os estômagos mais resistentes e era frequente vermos carros parados na beira da estrada, para as pessoas tomarem um ar. Numa viagem de 5 horas as pernas cansavam de não fazer nada.
Resende era parada obrigatória para um pão de queijo e um café. Mas naquela época eu ainda não tomava café. Quando ia de carro com os meus pais a gente parava um pouco mais em cima, no lugar do pastel de vento.
E sabe, teve aquela vez que eu queria uma bala na rodoviária e você não tinha trocado para comprar. Por azar ia no ônibus uma menina com o mesmo doce que eu queria. Bem na nossa frente. Mal sabia eu, mas naquela época já sofria ataques randômicos de Lei de Murphy. Eu passei metade da viagem fazendo birra porque queria aquilo. Você, pacientemente dizia baixinho que aquela bala era dura, que era ruim, que ia me fazer doer os dentes, doer a barriga.
Umas três horas depois a menina se tocou que a confusão que vinha do banco de trás era por causa do pacote de balas e me ofereceu uma. Eu, mais por timidez que por educação, disse que não queria. Você se espantou e brigou comigo porque eu passei a viagem inteira te enchendo o saco por causa da bala e agora dizia que não. Minha resposta foi simples:
- Você ficou o tempo todo dizendo que a bala era ruim...
Lembra disso, Vó?
Não?
...