Os amigos até chamam para sair mas, sabe aqueles dias em que é gostoso ficar em casa? Não, não é tristeza e nem sempre é cansaço. Quem me conhece sabe o quanto eu gosto de sair. Mas, quem me conhece de verdade, sabe também o quanto eu gosto de ficar no meu cantinho.
Nessas noites o único passeio que eu dou é pela Rua da Saudade quando, entre Hey Jude e Stairway to Heaven, eu abro pastas antigas da minha vida, armazenadas toscamente em forma de zeros e uns. Aí moram amigos com quem eu perdi o contato por desleixo ou simplesmente porque a vida nos levou para lugares diferentes.
Revejo ex-amores aqui e uns casinhos sem importância acolá. Passo em silêncio por eles. Me pergunto como estarão, se continuam sendo os mesmos babacas de antigamente ou se... Abano a cabeça e afasto esses pensamentos. Sigo em frente porque é para lá que a vida caminha.
Chego ao meu lugar preferido: a esquina das viagens. Relembro a vez que dormi na porta de uma igreja em Madrid porque não sabia que o estacionamento fechava após a meia noite. O cheiro enjoado dos coffee shops de Amsterdam e do cara que me pediu em casamento após uma conversa de meia hora. O frio de Berlim. A minha incursão pela "sopa dos pobres" em Genebra e a épica viagem rumo à Tomatina: sem hotel, sem ideia de onde ficar e sem um banheiro. Foi aí que eu virei hippie.
Ah, sim, claro! Os monumentos. Mas nem é tanto por ter visto a Monalisa assim, de "pertinho" - separada apenas pelo vidro, pelo cordão de segurança e pelos setecentos e trinta e oito turistas japoneses que se acotovelavam para tirar fotos sem olhar diretamente para ela uma única vez. É por estar lá e por ser das pessoas que pode se gabar de ter visto o quadro gigantesco na parede oposta à obra do Sr. Da Vinci. Nem foi tanto por ver a Torre Eiffel, mas sim pelo que eu ri sozinha quando eu descobri que tinha comprado o bilhete errado e teria que subir a bagaça toda a pé. E a soneca que eu tirei por baixo da torre, depois de descer.
Mais do que o que eu vi, gosto de lembrar o que senti. E esses passeios pela memória me fazem um bem danado. No entanto, não me posso prender apenas a isso. Porque bem que dizem que recordar é viver. Mas é preciso viver para recordar.