sexta-feira, 26 de outubro de 2012
B.
Não sei como textos tristes te arrancam sorrisos tão lindos mas, pra te fazer sorrir, eu seria triste a minha vida inteira.
Crônica à Morte
Então ela olhou bem fundo nos olhos do abismo da sua existência. Lá de baixo, a miséria lhe sorria, zombeteira. Tinha cabelos grisalhos e sonhos destruídos. Longe ia o tempo da mocidade alegre e pensamentos distraídos.
O rosto encovado escondia o sorriso que já há muito deixara sua face. Os olhos baços não lembravam nem de longe o olhar esperançoso que costumavam exibir sem pudor. Sim, andava encurvada por todo peso de uma existência vazia. Pés cansados, calejados de vagar sem destino por um tempo que parecia correr ao contrário. Mãos grossas, pesadas que eram nada mais que um testemunho de uma vida passada a escorar lágrimas que jorravam feito tempestade. Sem delicadeza. Sem beleza. Sem nada que remotamente trouxesse algo de bom.
Quis sorrir mais uma vez. Em vão. Quis calar, mas da sua boca sairam duas palavras que não conseguiu conter. E, enquanto o abismo lhe devorava, expirou:
- À Deus.
O rosto encovado escondia o sorriso que já há muito deixara sua face. Os olhos baços não lembravam nem de longe o olhar esperançoso que costumavam exibir sem pudor. Sim, andava encurvada por todo peso de uma existência vazia. Pés cansados, calejados de vagar sem destino por um tempo que parecia correr ao contrário. Mãos grossas, pesadas que eram nada mais que um testemunho de uma vida passada a escorar lágrimas que jorravam feito tempestade. Sem delicadeza. Sem beleza. Sem nada que remotamente trouxesse algo de bom.
Quis sorrir mais uma vez. Em vão. Quis calar, mas da sua boca sairam duas palavras que não conseguiu conter. E, enquanto o abismo lhe devorava, expirou:
- À Deus.
quinta-feira, 25 de outubro de 2012
Oração
... mas livrai-nos do mal. E dos sorrisos forçados. Das alegrias que faltam. Das tristezas que duram. Dos amores que secam. Dos beijos que amargam. Dos abraços que afrouxam. Da rotina que sufoca. Das manhãs solitárias. Das noites sem dormir. Da solidão que ataca. Da desilusão que habita. Das palavras que machucam. Dos nós na garganta. Da ansiedade que aperta. Da desesperança que mata. Das falsas promessas. Das despedidas que doem. Da culpa que pesa. Dos pesos que curvam.
Livrai-nos de todo o mal.
Amém.
Livrai-nos de todo o mal.
Amém.
terça-feira, 23 de outubro de 2012
João
- Oi, eu queria cortar o cabelo.
- Sim, por aqui. Já sabe como quer cortar?
- Joãozinho.
Silêncio. Ela me olha incrédula. Olha em volta para as colegas que também permanecem boquiabertas. Ela quer dizer muita coisa, quer me convencer do contrário e me mandar fazer dois anos de terapia, mas só consegue balbuciar:
- Tem... Tem... Certeza?
- Sim.
E foi com essa palavra que eu selei meu destino.
Mas ok, certeza, assim certeza, daquelas absolutas, eu não tinha. Passei uma hora dentro do ônibus decidindo que iria transformar o meu Channel em Natalie Portman e tomando coragem para isso.
Daí a urgência. Eu sabia que teria que saltar do ônibus e procurar imediatamente um cabeleireiro. Se deixasse para depois, perderia aquele fiozinho de determinação. It's now or never, como diria o Rei.
O resto do salão aguardava apreensivo o resultado. Ela começou. Pegou a tesoura com pesar e aparou minhas madeixas.
- Está bom?
- Mais curto, por favor.
Ela deu um suspiro de resignação. Corta daqui, apara dali, repica. Voilá.
- Está bom?
- Está.
Mas não estava. Com cabelo molhado e aquela capa de cabeleireiro em volta do pescoço eu estava xingando a Emma Watson de todos os nomes por parecer tão bonitinha com aquele cabelo, enganando jovens adultas como eu.
Olhei para o meu cabelo no chão. Pensei em guardar para reimplantação mas a assistente varreu tudo. Droga. Vou ter mesmo que esperar crescer.
Ela tira o manto preto, seca meu cabelo, passa cera e ajeita a franja. Meio desanimada, me olho novamente no espelho. Me surpreendo. Gosto muito do que me olha de volta.
Sorrio. Por ter tido coragem de mudar. E a coragem me foi devidamente recompensada:
"Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
Muda-se o ser, muda-se a confiança;
Todo o mundo é composto de mudança,
Tomando sempre novas qualidades."
sábado, 20 de outubro de 2012
Enfim sós
Nós dois éramos dois sós.
Nós dois viramos um só.
Nós dois brilhamos como sóis.
Nós dois já não somos nós.
Nós dois que ficamos sós.
Nós dois que viramos pó.
Nós dois viramos um só.
Nós dois brilhamos como sóis.
Nós dois já não somos nós.
Nós dois que ficamos sós.
Nós dois que viramos pó.
quinta-feira, 4 de outubro de 2012
Falta
Giro a chave. Destranco a porta. Rodo a maçaneta e dói. Dói o primeiro passo, dói o segundo. Dói cada segundo. Respiro para tomar coragem e me assusto porque me dói o respirar sem você.
Deixo a bolsa no sofá, me dirijo para a cozinha. Café, cigarro, um destilado e sua ausência me acompanharão hoje. E como dói. Me tortura o vazio dos seus olhos, que enche a casa e ilumina os cômodos com a sua sombra. Me torturam as suas palavras mas, mais ainda, me tortura o sussurro do seu silêncio.
Começo ler um livro, ouvir uma música, ver um filme. Termino de ver o livro e de ouvir o filme. A música emudece como a sua fala e me assombra. Me assombra saber que sua sombra está longe daqui. Me assombra minha sombra sombria e sozinha na meia luz.
Vejo nosso quarto. A bagunça deixada na mesa de televisão. O prato com o resto do jantar. A bagunça deixada no que resta de mim. O seu lado do armário, o seu lado da cama. O seu lado longe do meu lado me faz ficar sem jeito. Sem jeito de arrumar as coisas, sem jeito de fazer comida, sem jeito de escolher limões. Tudo é sem jeito sem você. Até eu, desajeitada e desajustada com a saudade que você me traz.
O relógio não cede, as horas travam. Passo a passo pela casa vazia, meu coração descompassado bate em sentido anti horário. Nada mais tem sentido e eu sinto cada pedaço de você que falta em mim.
Falta seu cheiro nos meus cabelos e os seus cabelos fazendo nós nos nós dos meus dedos. Faltam os seus sonhos, partilhados pela manhã com o café. Faltam ainda seis horas para o nascer do sol. Faltam muitos dias para o fim do mês e faltam três meses para o fim do ano. Talvez ainda me restem muitos anos na vida mas, com a sua falta, faltará toda a vida nos meus anos.
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