"De Deus e da morte não se tem contado senão histórias, e esta é mais uma delas."
Eu lembro que foi numa tarde de verão que eu o conheci. Em meados de 2000, talvez. Sei que foi antes de entrar para a faculdade. Eu estava na biblioteca de Cascais procurando alguma coisa interessante para ler quando ele apareceu diante dos meus olhos. Simples e modesto.
- O disco amarelo iluminou-se.
Foi a primeira coisa que ele disse. Sem me dar tempo para responder, ele continuou:
- Dois dos automóveis da frente aceleraram antes que o sinal vermelho aparecesse.
Gostei da simplicidade das suas palavras e da força que elas transmitiam. Ele falou-me de cegueira. De uma cegueira diferente. Branca, leitosa. Falou-me de um médico, da sua mulher, de uma menina de óculos escuros, entre outros. E,durante 3 dias, eu fiquei ali sentanda, hipnotizada, ouvindo toda a trajectória dos personagens.
No fim, quando "a cidade ainda ali estava" eu não me contive. Não queria que aquela voz calasse. Ele falou-me sobre morte e que teve um dia que ela não veio. Depois, falou-me sobre uma unidade ibérica quando Joana Carda riscou o chão com a vara de negrilho.
Foram muitas histórias que ele me contou desde que o conheci. Mas agora ele foi embora. Morreu. Não vou dizer que foi para um lugar melhor. Convenhamos, ele não me perdoaria! Do pó ao pó. Mas nada acabou, sobra a memória, os poemas, os contos.
Sobra também o vazio. O mesmo que a gente sente quando acaba de ler um livro. E permance a certeza de termos perdido todas as histórias que ficaram por escrever.
1 comentário:
Ana Lu,
Lindo texto. Simples mas efectivo no objectivo que pretende. Comecei a lê-lo e vi logo a quem te referias. Estavas inspirada!...
Cada vez sobes mais na minha consideração (e já estavas a voar bem alto...)
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