No tempo em que muitas meninas faziam pouco mais do que aprenderem a tocar piano e a serem futuras esposas, ela rompeu com as tradições. O pai morreu num naufrágio e alguém tinha que trabalhar em casa. Por isso mesmo, nunca aprendeu a cozinhar.
Isso fez com que a moral da minha mãe para me ensinar tarefas domésticas baixasse bastante. Desde pequenininha me lembro de responder:
- Mas a vovó não sabe nem fritar um ovo.
Ela é sagitariana, mas daquelas que não fala muito. Viajou bastante. Trabalhou numa companhia aérea. Visitou Portugal e fez compras na "Rua do Ouro" quando esta era ainda quase exclusiva dos ourives. Foi morar sozinha, nunca casou e nem teve filhos.
E agora é legítimo que vocês perguntem como eu tenho uma avó que não tem filhos. Verdade seja dita, ela é tia-avó. Mas sempre foi beeeem mais avó do que tia. Ai de quem disser que ela não é minha avó!
Ela trazia presentes das viagens. Todo ano ia ao Paraguai comprar muamba. Daí que eu tenha sido a primeira da minha turma a ter um iô-iô com luzes e música. Depois que eu cresci, ela me deu uma colcha feita a mão que é uma verdadeira obra de arte. Daquelas que a gente nem põe na cama para não estragar.
Foi a vovó que me ensinou a importância de um voto consciente, porque mesmo depois da idade obrigatória, nunca falhou uma eleição. Também tentou me ensinar tricô, mas isso não teve jeito. Sempre foi a pessoa mais organizada que eu já conheci. Super pontual e perfeccionista, nunca deixou ninguém de casa esquecer nenhum compromisso.
Isso foi até a gente descobrir um senhor alemão que passou a chatear-lhe a cabeça. Talvez vocês o conheçam e, alguns, de certeza que já o viram bem de perto. Mas nunca pelos melhores motivos.
Pois é, vovó - e agora todos nós - temos que conviver com o tal senhor. Nem sempre é fácil. Ele chaga-lhe tanto o juízo que as vezes ela esquece das coisas mais bobas. Logo ela que nunca falhou um compromisso, agora tem de ser diariamente lembrada da hora do remédio.
É estranho vê-la com ele. Porque ela sempre foi aquela pessoa ligada em tudo. Mesmo quando estava sentada lendo, ela sabia de tudo ao seu redor. E agora é diferente. Parece alheia do mundo, olhando para tudo como se fosse a primeira vez.
A minha outra avó diz que vive rezando para o alemão ir embora mas, segundo ouvi dizer, ele quando vem é para ficar. E ele é daquele tipinho tipo espaçoso, sabem? Daqueles que vai se infiltrando aos poucos até tomar a casa toda.
Isso dói. Dói a cada pergunta, dói a cada frase fora de contexto, dói ver vazio onde a gente sempre viu luz. E eu, que até nem sou assim muito ciumenta, dessa vez estou a beira de um ataque.
Qualquer dia eu sento a mão na cara desse fulano por estar roubando a minha vovó de mim!
9 comentários:
Sagitariana, né? Igual a vc...
E dizem que esse alemão aí só entra em mente vazia... Não é o que parece...
Sorte!
Valquíria
Das PEripécias do Rei
Poxa!!! :(
Lindo e triste post!
Tudo vai dar certo.... Vc vai ver.
beijos
Referes-te a Ahzeimer? Era Sueco, não alemão.
tem a certeza? a internet toda diz que ele é alemão. e olha que o google não mente!
de qualquer forma, caro anônimo, obrigada pelas palavras de carinho.
todas as doenças são tristes, mas essa é muito estúpida ... que sejam capazes de trazer sorrisos aos dias dela ...
Força Analu para voce e sua familia. Esta doença é muito triste. Mas pelo que voce disse sua avó levou uma vida boa de viagens e dando muito amor a todos da familia. Os sagitarianos são aventureiros e gostam de liberdade. Aposto que ela mesmo taciturna ou fechada é uma pessoa incrível. Um beijo para ela e para sua mãe.
Querida Analu,
Sinto muitíssimo pelo que se passa a sua avó. Desejo que tudo corra bem daqui pra frente. Muita força para enfrentar tudo o que vier.
Nossa, tô com os olhos afogados aqui... :o( Imagino como deve ser ver uma pessoa tão "antenada" quanto a tua avó ficar alheia aos acontecimentos... :o( Sinto muito. Forçaí.
1 Bjo.
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